Guerra anunciada
2006: “Ao fim
e ao cabo da semana fatÍdica, registravam-se 293 atentados, 161 mortes e 80 rebeliões. São Paulo vivia dias de
Bagdá”.
Em 2006, os ataques do
PCC (primeiro Comando da Capital), foram uma demonstração de força e
organização, chegando a paralisar a maior cidade do país e até mesmo o Estado,
agora essa onda de ataques esta sendo diferente, se comparada com a de 2006 os
fatos estão ocorrendo em “doses” menores.
Naquela ocasião foi feito, segundo o especialista em
segurança pública, Guaracy Mingardi, um acordo implícito entre o crime e o
governo para cessar a violência. Esse acordo, que Mingardi classifica como um
erro, teria sido quebrado de alguma forma este ano, aumentando a violência,
tanto do crime, como da polícia. A guerra declarada entre polícia e crime
organizado teve início no primeiro semestre de 2012, quando seis criminosos
foram mortos durante uma ação de policiais das Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar (Rota), no dia 28 de maio. Segundo as primeiras informações daquela
ocorrência, seis viaturas se deslocaram ao local após uma denúncia anônima de
que o bando, ligado à facção Primeiro Comando da Capital (PCC), estava reunido
no local para traçar um plano de resgate de um preso que seria transferido do
Centro de Detenção Provisória do Belém, na zona leste, para a Penitenciária II
de Presidente Vescenslau, no interior do Estado.
Após uma denúncia de truculência policial e
investigação da Polícia Civil, pelo menos nove policiais da Rota foram presos
pela execução dos criminosos. Uma testemunha contou que três PMs - um sargento
e dois soldados - chutavam o suspeito levado pela viatura até o local. Um deles
chegou a atirar a queima roupa no homem. A mulher ligou para a polícia e contou
em tempo real o que, segundo ela, estava acontecendo.
Dois dias depois, o bairro de Cidade Tiradentes vivia
o seu primeiro toque de recolher. Moradores foram avisados de que os criminosos
atacariam batalhões em represália às mortes no bairro da Penha. Em junho, o bar
que funciona no local onde os criminosos foram executados pegou fogo. Segundo
os proprietários, o incêndio não teve ligação com o PCC.
Os ataques.
No mês de junho, São Paulo começou a viver a primeira
grande onda de ataques a policiais e bases da PM. Os primeiros ataques foram
registrados isoladamente, mas com o passar dos dias, ficou evidente de que se
tratava de uma ação coordenada. O dia 20 de junho, em especial, chamou a atenção
da Secretaria de Segurança Pública, pela sequência de crimes.
Na região da Vila Formosa, na zona leste, um policial
militar foi morto por criminosos dentro de uma academia. Duas horas mais tarde,
a cerca de 2 km de onde o PM foi morto, uma base móvel da Polícia Militar foi
atacada em São Mateus. Quatro homens em um carro e um outro em uma moto pararam
próximo à base e fizeram pelo menos oito disparos. No mesmo dia, outro policial
morreu em troca de tiros com um criminoso em Pirituba.
A partir dessa série de eventos, a Polícia Militar
começou a registrar casos sequenciais de mortes e ataques. No dia seguinte, um
policial militar foi morto em um supermercado no Capão Redondo. No dia 22 de
junho, um PM foi morto a tiros na região do Grajaú, quando estava indo para o
trabalho. Na mesma madrugada, uma base foi atacada em Itaquera, mas nenhum
policial ficou ferido. No dia 24 de junho, um policial militar foi assassinado
a tiros em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. A partir de então,
outros casos começaram a ser registrados em diversas cidades da Grande São
Paulo, interior e Baixada Santista.
Por que incendiar ônibus?
Além de causar grande
transtorno no trânsito, que já é sobrecarregado nos grandes centros, incendiar
ônibus é uma maneira de fortalecer o caixa do crime organizado, visto que as
organizações criminosas possuem participação direta nos lucros de muitas
cooperativas de transporte (na grande maioria clandestinas). Quando um ônibus é
queimado, várias peruas e vans são colocadas nas ruas para realizar o
transporte dos usuários.
A partir do dia 24 de junho, a PM começou a registrar
ataques a ônibus na Grande São Paulo. Na noite seguinte, um ônibus foi pego em
uma emboscada na zona leste de São Paulo. Após receber sinal de um jovem em um
ponto, o motorista foi surpreso por outros três que surgiram atrás de um muro.
O veículo estava vazio e o motorista saiu correndo ao perceber a ação dos
criminosos. No dia 26 de junho, veio o primeiro grande ataque e três ônibus
foram queimados na região do Tremembé, na zona norte da capital.
Apesar da crescente onda de violência, a Secretaria de
Segurança Pública continuava tratando os casos como ações isoladas, descartando
o envolvimento do Primeiro Comando da Capital. Negar o envolvimento do crime
organizado seria uma estratégia para não alarmar a população, para não mostrar
a força e organização dos criminosos ou o despreparo de nossos políticos em
lidar com tal situação?
Chacinas
são usadas para espalhar o terror entre a população e até mesmo para desacreditar a polícia.
Após o início dos ataques contra policiais e a ônibus, a PM começou a registrar
um aumento em crimes com características de execução e as primeiras chacinas
começaram a aparecer. No dia 25 de junho, um grupo de quatro jovens foi
encontrado baleado na em Poá, na Grande São Paulo. Segundo a polícia, por volta
das 21h30, homens passaram atirando. As vítimas foram socorridas ao
Pronto-Socorro Municipal, mas não resistiram aos ferimentos.
Na madrugada do dia 12 de julho, oito pessoas foram
mortas após uma sequência de ataques na cidade de Osasco, logo após a final da
Copa do Brasil de futebol, vencida pelo Palmeiras. Segundo a polícia, os
atiradores aproveitaram a queima de fogos para efetuar os disparos. Em outubro
e novembro, o número de execuções de civis aumentou consideravelmente e,
segundo último balanço divulgado pela PM (não englobando o mês de novembro),
outubro foi o mês mais violento do ano, com 176 homicídios apenas na capital.
Alguns moradores das comunidades afirmam ser ações de policiais essas chacinas, poderia ser uma forma de desqualificar a polícia e colocar o PCC como o salvador da pátria, o mocinho dessa crise.
Motivações.
A prisão de Francisco Antônio Cesário da
Silva, o Piauí, em 26 de agosto, líder da facção (PCC) em Paraisópolis, já
havia revelado informação parecida aos homens das Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar (Rota) que o prenderam. “Vão morrer até os mamões (policiais da
reserva)”, ameaçou o criminoso ao ser detido, acrescentando que ainda morreriam
“dois botas (PMs)” para cada “irmão”.
Como o “salve geral” confirmou, os
ataques a PMs haviam sido ordenados pelas lideranças do PCC depois que mudanças
na política de segurança pública, feitas pelo atual secretário Antonio Ferreira
Pinto, aumentaram a atuação dos militares no combate à facção. Principalmente
depois que os homens da Rota passaram a ser mais atuantes.
Ferreira Pinto assumiu a pasta da
Segurança em 2009, em meio a uma crise de credibilidade dos policiais civis.
Escândalos impensáveis tinham sido revelados, como o envolvimento de
investigadores de Suzano com o sequestro do enteado de Marcos Willians Herbas
Camacho, o Marcola, líder do PCC. O caso aconteceu em 2005. Policiais civis
pediram R$ 300 mil para soltar o jovem. Marcola pagou, mas avisou que “não ia
ficar barato”. O achaque foi considerado um dos motivos para os ataques da
facção no ano seguinte.
Quando passou a comandar a segurança,
Ferreira Pinto optou por usar a Polícia Militar, corporação da qual havia sido
oficial e em que mais confiava, para lidar com as informações vindas dos
grampos e do serviço de inteligência do Ministério Público e da Secretaria de
Administração Penitenciária. Os policiais civis seriam postos de lado (um
perigo, visto que essa atitude poderia aumentar a rivalidade entre as policias).
A inteligência na investigação dos
presídios tornou-se afiada e até interceptações telefônicas de crimes em
andamento começaram a cair no grampo. Essas informações eram repassadas diretamente
aos policiais militares, resultando em uma série de conflitos e de vítimas nas
ocorrências, principalmente em supostas trocas de tiros com policiais da Rota.
Policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar (Rota), enfrentaram uma quadrilha no dia 11 de setembro. No total, oito
acusados de compor um "tribunal" do crime organizado que julgava um
homem acusado de estupro, foram mortos na operação. O homem que era julgado
pelos bandidos também foi alvejado e não sobreviveu. Outros oito suspeitos
foram presos pelos policiais. Na ocasião, o ouvidor da Polícia do Estado de São
Paulo, Luiz Gonzaga Dantas, disse que a ouvidoria investigaria a ação, além de
acompanhar as investigações no Departamento de Homicídios e de Proteção à
Pessoa (DHPP). O Ministério Público também acompanha o inquérito policial sobre
a ação da Rota.
Em novembro, a PM determinou a prisão de cinco
policiais suspeitos de matar um servente na periferia da zona sul da capital.
Um vídeo feito por um vizinho mostra o servente Paulo Batista do Nascimento, 25
anos, sendo cercado por policiais em uma rua do bairro do Campo Limpo. As
imagens confirmam que ele foi agredido. No vídeo, é possível ver o servente
levando um tapa e um chute dos policiais antes de ser levado para o carro da
polícia.
Em seguida, um policial aparece com os braços erguidos
em posição de tiro. Não é visto nenhum disparo, mas depois de um barulho
parecido com um tiro, as imagens mostram a movimentação de alguns agentes. No
boletim de ocorrência, os PMs relataram que o corpo foi encontrado em uma viela
pelos policiais.
Resposta
do governo
Em outubro, a Polícia Militar deu início à Operação Saturação
para combater o crime organizado em várias regiões da capital, em Guarulhos e
na cidade de Ribeirão Preto. Em novembro, o ministro José Eduardo Cardozo e o
governador Geraldo Alckmin anunciaram que as esferas estadual e federal teriam
uma agência integrada de combate ao crime organizado. A reunião definiu ações
de "asfixiamento financeiro" das organizações criminosas responsáveis
pelos ataques e também a futura transferência das lideranças envolvidas em
mortes de policiais para presídios federais.
Dias depois, o governador de São Paulo reconheceu pela
primeira vez dificuldades na segurança pública por conta da onda de homicídios
vivida em São Paulo nos últimos meses. No dia 21 de novembro, o então o secretário
de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, pediu exoneração do cargo. Em seu
lugar, assumiu o ex-procurador geral de Justiça do Estado de São Paulo,
Fernando Grella.
Cinco dias depois, foram divulgados os nomes dos novos
comandantes das polícias Civil e Militar de São Paulo. O Comando Geral da
Polícia Militar foi assumido pelo coronel Benedito Roberto Meira, atual chefe
da Casa Militar do Governo do Estado. Já a Polícia Civil passou a ser comandada
pelo delegado classe especial Luiz Maurício Souza Blazeck.
Para o especialista em
segurança pública e pesquisador da Fundação Getulio Vargas Guaracy Mingardi, o
aumento das mortes está ligado a um ciclo de vinganças entre o crime organizado
e os policiais. Na opinião de Mingardi, que foi subsecretário nacional de
Segurança Pública, faltou uma ação adequada para dar resposta aos primeiros
casos de execução de policiais, o que está levando aos confrontos.
Uma carta escrita com bela caligrafia e
repleta de erros de português era uma das peças que faltavam para ajudar a
compreender as causas da atual tensão vivida em São Paulo e o crescimento dos
assassinatos neste semestre. Apreendido em Paraisópolis, na zona sul, o “salve
geral” do Primeiro Comando da Capital (PCC) dava a “todos os irmãos da rua” as
ordens que deveriam seguir a partir de 8 de agosto.
O recado era claro. Dois PMs deveriam
ser executados para cada integrante do PCC morto. A ação seria uma resposta “às
execuções covardes feitas pela Polícia Militar”. Segundo o “salve”, caberia ao
“sintonia geral da quebrada” cobrar a “morte do irmão” com a execução dos PMs
“da mesma corporação” que cometesse “a covardia”.
"Se você não resolver (os casos de mortes de
policiais), não prender ninguém, a polícia fica inquieta e começa a matar mais.
A polícia mata mais, os criminosos matam mais e as coisas vão indo assim:
represália para lá, represália para cá", disse. "Isso é uma quebra do
regime democrático, de direito, que você não pode deixar acontecer",
completou.
O valor da
vida
Policiais paulistas estão sendo assassinados por
quantias ínfimas. Meros R$ 600 ou R$ 850, devidos por alguma quadrilha ao
Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminal dos presídios
brasileiros. Isso não é teoria, mas realidade, comprovada em investigações.
A possibilidade de que dívidas na compra de drogas ou
armas sejam anistiadas pela facção, mediante o assassinato de policiais, foi
flagrada por promotores de Justiça do Grupo Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (Gaeco).
Em telefonemas desde uma penitenciária do oeste do
Estado, grampeado pelo Ministério Público, bandidos lembram a quadrilheiros a
necessidade de pagar a mensalidade do Partido do Crime (como é chamado o PCC).
Uma das formas, para os que estão na rua, é matar policiais.
É por isso que drogados em dívida podem estar por trás
da onda de assassinatos que já ceifou a vida de mais de 100 PMs, agentes
penitenciários e policiais civis este ano. Grande parte das mortes é encomenda
do PCC, apontam investigações.
Um dos que ordenaram a morte de seis policiais
militares é Roberto Soriano, o Betinho Tiriça, que passou a outros presidiários
bilhetes encomendando o assassinato de integrantes das Rondas Ostensivas Tobias
de Aguiar (Rota), a tropa de elite da PM paulista.
Tiriça, que está trancafiado em cela isolada em
Presidente Bernardes, em presídio a mais de 600 quilômetros da capital
paulista, quer vingança por duas matanças cometidas por policiais da Rota este
ano. A primeira, em agosto, quando seis assaltantes foram metralhados ao
tentarem explodir caixas-eletrônicos em um supermercado. A outra, em setembro,
quando a tropa de elite matou nove criminosos que se preparavam para
"julgar" um suspeito de estupro, em Várzea Paulista (Grande São
Paulo).
Prova
Material
A grande prova material contra os atentados praticados
pelo PCC veio em 30 de outubro, quando a PM localizou o que chamou de
"central de espionagem" do Partido do Crime em Paraisópolis, uma das
maiores favelas paulistanas. Foi localizada uma mala com anotações feitas pelo
bando de Francisco Antônio Cesário da Silva, o Piauí, um dos líderes do PCC.
Ela estava recheada com cadernos nos quais havia nomes, endereços e hábitos de
policiais civis e militares.
Ficou comprovado, pelos manuscritos, que os policiais
eram seguidos por criminosos, que sabiam o percurso dos agentes e até seus
hábitos, como jogo de futebol e sinuca. A motivação para os assassinatos é
diversificada. Alguns policiais seriam eliminados por atrapalhar, no serviço,
ações do PCC. Outros, por estarem envolvidos na morte de integrantes da facção.
E, conforme investigações, alguns por cobrarem suborno em área controlada pelo
Partido do Crime. Um quarto grupo é composto de policiais de rua, que seriam
eliminados por serem alvos fáceis e como retaliação, aleatória, contra outros
agentes que prejudicaram o PCC.
A apreensão da lista só aconteceu porque a comunidade
foi tomada pelos policiais militares, num cerco denominado Operação Saturação.
Ela ocorre em quatro regiões da periferia da Capital e Grande São Paulo.
Numa tentativa de neutralizar as ameaças, o governo
estadual e o governo federal combinaram o isolamento de Piauí. Ele foi
transferido de Avaré (SP) para a Penitenciária Federal de Porto Velho
(Rondônia).
Segundo uma gravação feita pelo Gaeco, os bandidos afirmam
que a mensalidade do PCC subiu de R$ 600 para R$ 850. Caso o criminoso não
tenha como arcar com a despesa, ele é coagido a matar um policial militar. Caso
não realize o serviço, será exterminado pela facção. A morte de policiais
militares também serve como vingança pela morte de “irmãos” do PCC. Para cada
aliado da facção morto, dois policiais são executados.
Uma estratégia do crime organizado é a de atacar policiais fora do horário de trabalho, assim pairam duvidas a respeito das motivações dessa morte, e evita parecer que a afronta foi uma atitude direta contra o Estado.
Acesso: 02/01/2013